A Primeira (Grande) Viagem do Meu Carro — Parte Ruim

Nem tudo são flores

Rodrigo Tavares
7 min readMar 24, 2024

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[Esse texto é a continuação d’A Primeira (Grande) Viagem do Meu Carro — Parte Boa. Não continue a leitura sem antes ler a primeira parte, clicando aqui. Obrigado.]

Bom, a foto de capa é bem autoexplicativa: O Gol quebrou. De todas as coisas que eu esperava dessa viagem, essa é única que não podia acontecer, e quis o destino que eu não estivesse mais errado. Seja como for, se estou escrevendo esse texto, é por que estou no conforto de casa e no ar-condicionado, ou seja, vivo.

Paramos o texto na Parte Boa, enquanto começava a volta para casa. O ritmo era ligeiramente acelerado, mas ainda respeitava a ordem do comboio, ainda formado pelo Fuscão verde, Tempra SW, outro Fusca e o Honda Civic. Todos retornavam no mesmo pique de antes, mas o Gol estava diferente.

Ao contrário da ida, o carro portava-se maravilhosamente bem. Sem ratear em alta rotação, e com boa resposta na aceleração, meu destino parecia cada vez mais perto: o restaurante Casa do Mamão, em Barra do Piraí (RJ). Com boa comida e um aprazível ar-condicionado central, era tudo o que eu queria naquela tarde infernal de tão quente.

Tudo bem, tudo mal…

Munido da fome e da vontade de chegar, o pequeno hatch azul seguia tranquilo, até pararmos para abastecer, em um posto em Guaratinguetá (SP). Tinha mais da metade de um tanque, mas completei por precaução. Conta paga, chave no contato… e nada. Outra vez, e nada. O Gol estava morto.

Caçando o culpado (Arquivo Pessoal)

De primeira, achei se tratar de puro temperamento, afinal carro antigo tem dessas, mas logo a ficha caiu: o Gol quebrou no meio do interior de São Paulo, e só por um milagre eu chegaria em casa. Num impulso, eu e o passageiro empurramos o carro para fora da bomba, e danei a procurar um culpado por aquela cena toda.

Nisso, vejo um dos participantes do comboio, Giancarlo, dono do Tempra SW, perguntar se havia algo errado. Meia explicação depois, ele e demais integrantes da Equipe Pistão se reuniam ao redor do capô, procurando o defeito, tal como uma junta de médicos diante de um paciente moribundo.

Foi detectado um fio solto, especificamente o fio-terra do distribuidor. Colocado de volta, fez o carro pegar e soltou de todos um grito de alívio, que durou enormes 10 segundos. Logo o carro apagou, e as investigações continuaram, aumentando meu desespero. Outro diagnóstico condenara o rotor do distribuidor, de marca Bosch e trocado recentemente, que após testado em multímetro estava em curto.

Tempra SW: O Salvador da Pátria

O milagre italo-betinense (Arquivo Pessoal)

Antes que pudesse assimilar o que estava acontecendo, fui informado de que haviam ido a uma Autozone buscar algo, que não sabia exatamente o quê. Toda aquela situação havia me paralisado de certa forma, em que só conseguia pensar em como chegar em casa, e no quão astronômico seria o guincho até o Rio.

Entretanto, ainda sem entender muito bem o que ocorria, completamente mergulhado em ansiedade, vejo o Tempra adentrar o posto mais uma vez, e sou informado pelo dono do Fuscão que era o Giancarlo, de volta com um rotor novo. Vale mencionar que a Autozone mais próxima era a 10 minutos dali, então era realmente uma operação na tentativa de salvar o Gol.

Rotor novo colocado, e uma virada de chave e meia depois, o Gol ruge pelo escape mais uma vez. Ver meu carro ligar de novo no meio daquela situação me tirou o prumo, e caí em lágrimas. Talvez pela sensação de finalmente voltar para a casa, misturada com as emoções famintas e calorentas, fora o agradecimento pelo esforço conjunto de me colocar de volta na estrada.

Todos ali tinham um pouco daquela pequena vitória: quem cedeu a caixa de ferramentas, um alicate, o diagnóstico, a palavra amiga e o rotor, todos se mobilizaram para me consolar e fazer chegar em casa, é certamente é o tipo de coisa que, embora lhes parecesse pequena e rotineira, me significava muito. Amigos, acima de tudo.

Take me home (ou quase isso)

150 km de paz, até que… (Arquivo Pessoal)

Novamente centrado e a fim de chegar em casa, abandono a ideia do almoço e toco em frente. Investido de uma fé cega no equipamento, que agora rugia como se deve, comecei a ir embora. Nem mesmo a chuva e o trânsito me impediam de pensar que chegar em casa era um horizonte possível.

Cerca de 150 km depois, já na Guanabara, as placas indicando a Casa do Mamão se amontoavam, e me faziam flertar com a ideia de comer alguma coisa, mas isso não aconteceria nem se eu quisesse. Faltando 200 metros para chegar nesse ponto, numa descida, a 90 km/h, o carro apaga mais uma vez.

Novamente reunido com os integrantes do comboio, vejo o carro perder força, enquanto torço para que rolasse até o posto pelo acostamento, o que obviamente não o fez. O freio endureceu e logo estávamos parados, a EXATOS 100 m da entrada. O Gol morria pela segunda e última vez.

De volta à sarjeta (Arquivo Pessoal)

Sentado à beira do caminho

Se antes não havia motivo para choro, agora, uma simples abertura de porta do motorista significaria a não produção deste texto, e um repórter a menos no Jornal do Carro. A foto deixa claro que aquele acostamento não era grande, e que os caminhões tiravam fino constantemente do retrovisor. Mesmo assim, todos ficaram comigo até o socorro chegar. E que, acredite se quiser, quase não veio.

Ano passado eu morri, e nesse ano também (Arquivo Pessoal)

Lhe pouparei dos muitos xingamentos mentais proferidos à administradora da estrada, e no completo breu das 18h, chegava finalmente o guincho da rodovia. “Estou salvo”, pensei eu, que poderia descer a serra até uma base de apoio da concessionária, e de lá chamar um guincho para casa. Mas claro que isso não aconteceu, e 100 m depois estava na Casa do Mamão, contra minha vontade dessa vez.

Tudo depois dessa foto para mim é um borrão (Arquivo Pessoal)

O estresse e futura facada financeira do guincho já haviam me corroído a fome, e minha única preocupação era chegar em casa, além de entregar meu amigo ao conforto do seu próprio carro, que certamente não faria o que o meu fizera, por ser um Toyota. No porta-malas, num cooler, uma garrafa de mate ainda gelada era como um champanhe.

Me despedi dos amigos que comigo ficaram, subi no guincho e fui lutando contra o sono até chegar em casa. Guincheiro pago, amigo entregue, era hora de arrastar o Gol garagem acima, rebocado pelo Monza, carro que ele mesmo rebocara, dois anos antes, também por conta da elétrica. Entre o soltar dos sapatos, o banho e o raiar do dia seguinte, várias horas passaram em segundos.

Conclusão

Rotor do distribuidor: torrado (Arquivo Pessoal)

Agora, o carro repousa no canto da garagem, à espera do conserto. Nem mesmo outro rotor conseguira acordá-lo a contento: gira, mas não pega. Atualmente, as hipóteses pairam sob a cabeça: bobina, fiação, o próprio distribuidor em si… tudo precisa ser investigado e solucionado. Quis a cabeça que nada disso se resolva agora, e sim quando o ânimo surgir novamente.

No passado, muito escrevi sobre o automóvel e suas sensações, e como até mesmo as menores batidas e inconvenientes relacionados ao Gol me deixavam deprimido. Talvez pelo ideário juvenil de atrelar meu ego de maneira indissociável ao carro, o que não mais acontece. Ele não está operacional, mas eu estou, e vida que segue.

Fico muito feliz de tê-lo posto na estrada. Quase seis anos depois, vi gente, paisagens e experiências únicas em menos de 24 horas, que tamanha a intensidade dos fatos, mas pareciam 90 dias. Devo imensamente aos amigos da Equipe Pistão, que comigo permaneceram nos momentos mais sombrios dos enguiços, em especial ao Gabriel Rocha e Giancarlo Tardin, pelo suporte e também pelo rotor, agora um souvenir na mesa do meu escritório. Agradeço também ao Pedro Santana pela companhia, presente em todas as horas.

E quando o Gol voltará para a estrada? Não sei dizer. Quando estiver 200% a fim, o ponho em prioridade de novo. Por ora, cabe ao Monza o papel do daily, o que certamente faz muito bem. Entretanto, há uma certeza: o pequeno VW Azul Havaí metálico voltará à estrada, com toda a certeza.

Gol 1200i retornará.

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Rodrigo Tavares

Entusiasta automotivo, apresentador do PodCarro e repórter no Jornal do Carro.